sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O ÁGAPE DAS ABELHAS

Na claridade expressiva do seu olhar adivinha-se o desejo de liberdade. Uma liberdade que, no cenário da imensidão das serras e dos céus do Barroso,  ganha um sentido especial no maneio do gado voador.
Sucedem-se os gestos de acordo com a tranquilidade inquieta do olhar. Como se fosse permitido, a quem o observa, adivinhar a direção do movimento seguinte a partir das expressões que transparecem dos seus olhos.



As tonalidades pastel das colmeias contrastam com as cores saturadas da vegetação das encostas em redor. Camadas de verdes intensos e distintos, salpicadas de roxos, brancos e amarelos das flores.
Ao longe, sob o sol escaldante, as silhuetas brancas deverão assemelhar-se a semideuses encarregados de crestar o néctar para satisfazer os desejos gulosos de Deméter.


No dia seguinte, o cenário não é mais o da natureza selvagem, bruta, agreste. A extração do mel ocorre num ambiente domesticado, fechado e artificial. Observo, com curiosidade crescente, o comportamento errático das abelhas, tão longe de casa e condenadas a morrer órfãs de lugar. Fascinam-me os minúsculos hexágonos dispostos de forma tão perfeita uns ao lado dos outros. Milhões de cápsulas doces com tonalidades diferentes resultantes da flora diferenciada que serviu de pasto às abelhas.
Ainda que o ambiente seja laboratorial, o cheiro e o sabor deste mel colocam-me muito longe dali. No meio da serra, no meio das flores, perto de um curso de água. Não se ouve nada. Exceto o mordiscar dos favos para lhes extrair o suco doce. E a sala de extração deixa de ser branca e as tonalidades verdes da vegetação acabaram de salpicar as paredes e o chão. O desejo de liberdade também me assiste.

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