sexta-feira, 22 de julho de 2011

DAS MEIGUICES

O sr. Francisco de Tabuadela tem o mar dentro dos olhos. Quando se chega ao pé dele parece até que se ouvem as ondas. É um homem tranquilo com a inteligência que assiste àqueles que estão sempre dispostos a questionarem as suas certezas. Ontem cruzei-me com ele nas ruas da aldeia da Reboreda. Ele a subir num trator que teimava em engasgar e eu a descer de carro depois de ter deixado o pão em casa dele.
Sempre que lá vou entrevistá-lo, a mulher traz-nos um tabuleiro com café e biscoitos. E eu, depois de tantos anos no terreno, continuo a sentir-me constrangida em aceitar (mais) estes gestos de boa vontade.
Talvez por acreditar que as pessoas que deixam que eu invada as suas vidas de uma forma tão íntima, já me estão a dar tanto que aceitar qualquer extra, como uma simples chávena de café, é (mais) um peso para mim. Não será, certamente, para elas. Mas eu sinto-me sempre em dívida. Uma dívida que permanece para além do término do terreno.
Depois também é o problema do coração a disparar de cada vez que bebo café, mas como faço? :) Digo-lhes que fico feliz se me derem uma peça de fruta? :)



É que eu chego do nada. Mesmo que haja sempre quem tenha a generosidade, como ontem, de me apresentar às pessoas que vou entrevistar, eu chego do nada. Não me fazem aquela pergunta tão bonita que costumam fazer à Dina, a câmara-woman que me acompanha no terreno e que é daqui: A quem pertence?
Porque eu não tenho pertença aqui. Embora, estranhamente, me sinta como se os céus, as terras e as águas daqui estivessem sempre estado à minha espera e eu à espera de os (re)encontrar.



Por isso, retribuo como posso e sei e gosto. Com meiguices em forma de comida. Mas também, para o conseguir fazer, tenho de ultrapassar os meus receios que residem na antecipação dos possíveis constrangimentos que vou causar nos outros. Ultrapassados os receios iniciais, bom, aí não há volta a dar :)



Tenho o frigorífico cheio de dádivas recebidas dos colegas aqui do museu e de pessoas com quem me vou cruzando no meu dia a dia e que nada têm a ver com a minha investigação. Já nem sei o que faça com tantas couves :)



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Sou uma antropóloga que só pensa em comida...
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